(mensagem enviada pelo Diretor, Dr. Pedro Valente, aos professores do Colégio)
Nós, os professores, trabalhamos diariamente com a matéria-prima mais valiosa. Quando entramos na sala de aula, poucos de nós pensamos que levamos nas mãos cinzéis e espátulas de vários tamanhos, espanadores, marteletes, chaves, pincéis e cola para trabalhar objetos frágeis, volúveis e interpelantes. Nem sempre tomamos consciência de que entramos na sala de aula para cuidar de objetos únicos.
Todavia, a singularidade de cada aluno enquanto objeto do ensino é trabalhada num modelo relacional que lhe é contrário, pois a relação professor-aluno tece-se na moldura de um grupo. A relação sujeito-objeto é uma relação professor-turma. O individual dilui-se no coletivo. Portanto, as idiossincrasias de cada aluno vivem no equilíbrio possível de uma atenção personalizada que apenas pontualmente pode ser individualizada. É neste equilíbrio que radica o grande desafio que o ato de ensinar nos coloca: quando abrimos a porta da sala de aula, levamos connosco o dever de cuidar de todos e ao mesmo tempo de cada um dos nossos alunos.
Assegurar o acompanhamento personalizado de trinta alunos é um desafio que se torna ainda mais exigente no momento em que compreendemos que dele faz parte acolher cada aluno como um par. Evidentemente, o aluno não é um par no sentido de se anularem as hierarquias ou os papéis sociais no espaço da sala de aula, mas no sentido pedagógico de ele ser coprotagonista da aprendizagem e no sentido antropológico de ele ser nosso semelhante do ponto de vista existencial. Parece uma coisa óbvia, mas nem sempre é: numa relação educativa, o aluno-objeto é também um aluno-sujeito. Dentro da sala de aula, ao mesmo tempo que, enquanto aluno-objeto, apreende conhecimentos para lidar consigo e com o mundo, o aluno é também, enquanto aluno-sujeito, um interveniente ativo no processo de aprendizagem e é o sujeito exclusivo do seu processo de crescimento enquanto pessoa.
Como sujeito, o aluno espera que o professor consiga conciliar a assimetria da relação professor-aluno com o caráter dialogal que a deve permear. Isto é, sem pôr em causa a relação assimétrica de poder, o aluno espera que garantamos que as aulas não promovam formas de desigualdade, o que acontece sempre que nelas marcam presença práticas contrárias ao diálogo, como é o caso do autoritarismo, da intransigência, da falta de liberdade ou do abuso de poder. Se na aula predomina o monólogo – literal ou metafórico –, não estamos a acolher o aluno como nosso semelhante. Estamos a anulá-lo como sujeito.
Esta reflexão sobre o estatuto do aluno e a nossa relação com ele não é de somenos importância. A par do conteúdo, também o modo como conduzimos as aulas tem consequências na formação dos alunos. Através da relação que estabelecemos com os nossos alunos dentro da sala de aula, modelamos uma maneira de viver, uma atitude diante da vida, que será por eles replicada nas suas próprias vidas. Se não lhes dermos voz efetivamente ativa num diálogo verdadeiro, se os reduzirmos a um mero objeto do processo de ensino, se definirmos a didática em função da classificação (que assinala sobretudo as suas falhas), estaremos a formar sujeitos passivos, cujas ações dependem da validação de um poder externo. Estaremos a formar pessoas que só demasiado tarde adquirirão a autonomia, pois o modelo centrado na classificação cria uma dependência do mestre que detém aparentemente todo o conhecimento. No final do seu percurso escolar, alunos dependentes poderão ter adquirido muitos conhecimentos, mas secar-lhes-ão nas mãos porque não saberão o que fazer com eles. Não serão competentes nem poderão ser comprometidos. Pelo contrário, entender o aluno como um sujeito é ajudá-lo progressivamente a não depender de nós. E isso é educar.
Somos seres relacionais. Se tivermos presente que passamos a maior parte da nossa juventude dentro de salas de aula, torna-se bastante clara a importância do tipo de relações que aí estabelecemos. Se ao invés da escuta, da aceitação e da disponibilidade, os alunos receberem de nós autoritarismo, intransigência e ausência, que poderemos nós esperar do seu futuro? Se for esse o nosso modo de educar, não teremos subtraído às relações o humanismo cristão?
Nós, os professores, trabalhamos a humanidade, por isso, amanhã, quando iniciarmos cada aula, saibamos que temos diante de nós pessoas únicas que esperam que as ajudemos a ir chegando à sua melhor versão em cada momento, para que, mais tarde, habituadas a esse modo de viver, procurem elas próprias esse magis continuamente, de forma competente porque autónoma e assumindo compromissos em liberdade. Para hoje, fica a partilha da reflexão e, como sempre, o sincero agradecimento por todo o empenho que põem ao serviço de cada aluno.
Feliz Dia Mundial dos Professores.